A dança como voz: o direito de se expressar por meio da arte

Por Ana Clara Gaudino

Nas páginas de um dicionário, é possível aprender centenas de palavras e seus significados. Entre elas, a palavra artista, que significa: “Quem se dedica à arte, aquele que revela sentimento artístico”. Há quem diga que arte é dom para poucos. Outros dizem que todos têm um pouco dentro de si. Mas a arte não é, de fato, um termo a ser definido. Não é singular, nem concreta. É subjetiva, movida a sentimento. É acima, de tudo, um direito de todo ser humano. 

Do coração de um artista, a infinidade de possibilidades. Telas, palcos, pincéis, corpo, voz, tudo é instrumento para o artista. Da infinidade de instrumentos, o corpo é o principal instrumento de quem escolheu a dança, essa combinação de movimento corporal e ritmo. Essa sincronia de movimentos e ritmos se estende desde a pré-história até os dias de hoje.

Tudo começou como meio de expressão religiosa dos homens primitivos. A hipótese sugerida para explicar a origem da dança é de que os primeiros ritmos teriam surgido de percussões e de que, a partir deles, o próprio corpo humano teria começado a se movimentar segundo as batidas. Desde então, a dança atravessa gerações, crescendo e se multiplicando.

Na Idade Média, as danças de rua e populares foram proibidas e o direito de dançar foi concebido somente à corte. Passado o período de repressão, a dança, entre outras práticas artísticas corporais, ganhou força na Europa e conquistou o mundo

Ballet, jazz, sapateado, samba, street dance, dança do ventre e tantas outras estão entre as inúmeras modalidades que conquistaram seu espaço e arrastam até alguns admiradores que dizem não ter “pé de valsa”. Mas os responsáveis por contagiar o mundo com a admiração por essa arte são os próprios artistas. Pessoas que nasceram com a dança pulsando dentro de si, que exalam o amor pela arte e, de fato, vivem-na.

“A dança pra mim é algo transcendental”, diz Síria Cordeiro, 38 anos. Mãe, bailarina, coreógrafa e professora com formação em dança moderna, ela conta que o sonho de ser bailarina nasceu na infância, mas o amor pela dança permaneceu e ganhou força ao longo do tempo: “A cada dia que passa, a dança se torna mais intensa na minha vida.”

Para Síria Cordeiro, a dança é uma experiência transcedental  
Foto Arquivo Pessoal

 “É como beber água, como almoçar todos os dias. É algo que se tornou parte do meu organismo”, diz Síria sobre a dança. A bailarina conta que sente a arte como extensão de seu corpo e que seus movimentos são reflexos de suas emoções: “É uma conexão de alma, corpo e espírito”.

A dança, como outras artes, tem força e voz ativa, e seus artistas sabem o poder que carregam em seus movimentos. Na década de 60, no Brasil, a ditadura causou estragos no meio artístico. Mas com o tempo, e o fim da censura, a arte se reergueu e os movimentos ganharam força. Nas ruas, a dança passou a carregar discursos, representatividade e voz. Artistas que gritam com o corpo as causas que defendem.

Caio Marques, 21 anos, é membro do grupo de dança “Blacktude” e não esconde sua paixão pela arte. O estudante de Letras conta que a dança é sua voz e que o processo de torná-la identitária é um desafio diário. “A dança é minha militância”. Nas ruas e nos palcos onde dança, seus movimentos carregam sentimento, representatividade e garra: ”É claro que eu amo dançar, mas onde eu estiver, a minha dança defende meu ideal de negritude, meu ideal de vivência como homem bissexual e preto. Eu defendo meus ideais, que são o lugar do preto no mundo e o preto como um lugar no mundo, por meio do meu corpo”

Para Caia Marques, a dança também é militância
Foto Arquivo Pessoal

Caio conta que, apesar de, diversas vezes, passar e presenciar situações desagradáveis e preconceituosas, ele não deixa isso ser maior do que o amor que sente pelo que faz. “Não me sinto livre pra exercer meu direito de dançar, eu me sinto no direito de exercer a minha liberdade para me expressar. Porque, liberdade, talvez eu não tenha, mas o direito eu tenho. Então eu me sinto no direito de exercer a minha liberdade”. E completa: “Com a dança eu me sinto vivo!”.

A psicóloga Fernanda Chagas fala sobre a importância da arte na vida do ser humano. Ela conta que muitas pessoas não conseguem se expressar como desejam e a dança permite que se libertem desse sentimento sufocado. O prazer que a arte traz faz com que o corpo produza serotonina, hormônio “que traz a sensação de felicidade”, explica a psicóloga, que solta uma risada em seguida.

Mais do que lazer, a dança é um direito cultural e que deve ser disponível a todos. A dança é maior do que qualquer movimento que o corpo realiza. É discurso, é voz, é pedido de socorro, é agradecimento, é grito, é protesto e, mais que qualquer coisa, é beleza. Liberdade de expressão é um direito de todos, é uma conquista proveniente de anos de luta. Que os artistas tornem as ruas seus palcos, e que, o país, respire um pouco de arte.

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